
Comprei-o em 2011, seguindo a indicação da mãe de uma
amiga, que disse que era o livro de sua vida. A sugestão ficou gravada em mim,
pois ela tem UM livro favorito, o que, para mim - que tenho uma lista em
constante atualização - é impossível.
Lançado em 1938, o livro marca o reconhecimento de Érico Veríssimo no
país inteiro e leva-o a afirmar que só depois dele é que pode viver de
literatura. E esse sucesso é justificável. O livro é suave, esperançoso e deliciosamente
simples.
Através da história do médico Eugênio Fontes, o autor fala sobre amor, os dramas familiares e individuais em meio a uma sociedade em transformação, provocada pelo desenvolvimento das cidades, a afirmação da classe média e um cenário político repressivo.
Através da história do médico Eugênio Fontes, o autor fala sobre amor, os dramas familiares e individuais em meio a uma sociedade em transformação, provocada pelo desenvolvimento das cidades, a afirmação da classe média e um cenário político repressivo.
O sentimento de inferioridade, a obsessão por ascender socialmente e o temor
marcam a trajetória de Eugênio. Ao saber que o grande amor de sua vida (Olívia)
está no hospital morrendo, ele relembra tudo que viveu e os sacrifícios que
cometeu em nome de sua ambição - o menino pobre e infeliz, que estudou em uma
boa escola graças aos esforços incansáveis dos pais; o adolescente solitário,
marcado pelo suicídio de um professor; o universitário covarde e encabulado com
a humildade da família; o jovem médico fraco que se apaixona por Olívia,
ex-colega da faculdade, com quem mantém um relacionamento sem compromisso; e o homem
que se casa com uma mulher rica (Eunice) por interesse.
Nessa primeira parte, o livro é intenso, com histórias bem desenvolvidas
e envolventes - como o sumiço do irmão, a rejeição ao pai, a descoberta que tem
uma filha com Olívia.
Movido pelo remorso, ele percebe que por esse caminho torto foram
ficando os que lhe amaram sem pedir compensações, os que não exigiram nada e lhe
deram tudo, principalmente Olívia, uma mulher que desnudou o mundo e o apresentou
para Eugênio e ele, cego pelo seu egoísmo, deixou-a partir. E a beleza do livro
está nessa avaliação de vida e no romantismo do seu despertar, características
comuns nos romances da década de 30.
Essas reflexões sobre os autênticos valores da vida dão título a livro,
que é inspirado em um versículo bíblico (“Considerai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e, no
entanto, nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como um deles”).
Na segunda parte, Eugênio decide mudar, deixando de lado a vida
elitista para viver com a filha numa pensão, assumindo o papel social de médico
e entregando-se às reflexões filosóficas sobre a vida e o existir. Confesso que,
nesse ponto, meu interesse reduziu devido às percepções repetitivas do
personagem, mas não diminuiu o deleite que o livro proporcionou.
A transformação vivida pelo personagem e os ensinamentos que a vida lhe
propiciou podem até soar para alguns ridiculamente sentimental. No entanto,
Érico Veríssimo consegue transcrevê-los com singeleza e doçura, deixando para o
leitor a sensação de que, por mais complexo que seja a natureza humana, o fazer
o bem e o certo é mais recompensador.
Deixo aqui o trecho mais emocionante do livro:
“Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento. Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil… Um homem magro e encurvado, malvestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha ele subindo a rua. Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal-estar. Desejou – com que ardor, com que desespero! – que o velho atravessasse a rua, mudasse de rumo. Seria embaraçoso, constrangedor se Ângelo o visse, parasse e lhe dirigisse a palavra. Alcibíades e Castanho ficariam sabendo que ele era filho dum pobre alfaiate que saía pela rua a entregar pessoalmente as roupas dos fregueses… Haviam de desprezá-lo mais por isso. Eugênio já antecipava o amargor da nova humilhação. Olhou para os lados, pensando numa fuga. Olhou para os lados, pensando numa fuga. Inventaria um pretexto, pediria desculpas, embarafustaria pela primeira porta de loja que encontrasse. Ouvia a voz baixa de Castanho… o “conceito hegeliano…”. Podia entrar naquela casa de brinquedos e ficar ali escondido, esperando que Ângelo passasse… Hesitou ainda um instante e quando quis tomar uma resolução, era tarde demais. Ângelo já os defrontava. Viu o filho, olhou dele para os outros e o seu rosto se abriu num sorriso largo de surpreendida felicidade. Afastou-se servil para a beira da calçada, tirou o chapéu.
– Boa tarde, Genoca! – exclamou. O orgulho iluminava-lhe o
rosto.
Muito vermelho e perturbado Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado pelo gesto do homem.”
Muito vermelho e perturbado Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado pelo gesto do homem.”
Bem... Até mais.
Ficha
Técnica
Olhai os lírios dos camposAutor: Érico Veríssimo
Editora Companhia das Letras
Ano: 2005 – 4ª edição (1ª edição em 1938)