O que escrever sobre um livro tão
falado e recomendado, principalmente depois da invasão dos realities shows? Lembro-me que, quando lançaram a primeira edição
do programa Big Brother Brasil (em
2002), a obra foi exaustivamente
discutida nos meios acadêmicos e de comunicação por ter sido considerado uma
antevisão do futuro: um mundo onde todos são vigiados por câmeras.
Lançado em 1949, 1984 retrata de
forma bem humorada e irônica a vida de Winston Smith, um homem com uma vida
aparentemente insignificante, prisioneiro de uma sociedade totalitária e
repressiva, dominada pelo “Partido”, que tinha como slogans três frases que
resumem a opressão: “Guerra é paz, Liberdade é escravidão e Ignorância é força”.
O Estado controlava todos os
passos através de patrulha policial e da “teletela”, que funcionava como câmera
de vigilância e televisão, para transmitir a programação oficial do governo. E, em todas as partes, havia um pôster com um
rosto enorme, com os olhos que pareciam acompanhar sempre que alguém se movesse,
e com a frase: “O Grande Irmão (no original, Big Brother) está de olho em você”. Por hábito e instinto, acreditava-se
que todo som emitido era ouvido e, se a escuridão não fosse completa, todo
movimento examinado meticulosamente.
E esse domínio absoluto gerou uma
nação de fanáticos sincronizados, todos pensando os mesmos pensamentos e
bradando os mesmos slogans. Um lugar onde não se tinha amigos, o casamento só
era necessário para gerar filhos que servissem ao Partido e viver um amor
verdadeiro era impensável. E todo aquele que discordasse das ideias e ações do
governo desaparecia, sem julgamento ou registro de prisão. Seu nome era
removido dos arquivos e sua existência negada.
Funcionário do Ministério da
Verdade – responsável pelas informações -, Winston é o encarregado de eternizar
a propaganda do regime através da falsificação de documentos, jornais e livros a
fim de que o governo sempre estivesse correto no que fazia. Se o Partido se
aliasse a um país que era seu inimigo no passado, apagava-se e alterava todos os
registros anteriores.
Com as constantes alterações do
passado e as coibições, Winston passa a ansiar por verdade e liberdade e começa
uma revolta romântica e anárquica contra o sistema – escrevendo em um diário, apaixonado-se
por sua colega de trabalho e se envolvendo com uma organização revolucionária
secreta.
O livro, até esse ponto, é dinâmico e instigante. Ficava torcendo para que o personagem
conseguisse rebelar o país e que seus habitantes saíssem da impassibilidade. Mas
o autor tornou-se repetitivo e os atos dos personagens muito esmiuçados. E o
interesse foi minguando. Graças ao incentivo do meu namorado (que tinha lido
anteriormente e disse que, após a parte maçante, o estímulo voltaria), persisti
e tornei a me impressionar com a escrita e a habilidade que George Orwell teve
de retratar tão perfeitamente uma sociedade dominada pelo governo e sua a crescente
invasão sobre os direitos do indivíduo.
Quando foi lançado, muitos interpretaram
1984 como uma crítica devastadora aos governos nazistas, fascistas e comunistas
que ainda persistiam na Europa e Ásia. Sessenta anos depois, o livro ainda se
mostra atual e nos impõe uma poderosa reflexão sobre a busca incansável pelo
poder e os excessos comentidos para alcançá-lo.
O poder pelo poder, a procura
pelo domínio incontestável, a subserviência e a apatia dos indivíduos soam como
alerta para a nossa sociedade - cada vez mais refém de condomínios fechados e câmeras
-, que almeja a segurança em detrimento da individualidade e liberdade.
E essa leitura me fez lembrar uma das grandes
composições de Chico Buarque, “Apesar de você”:
"Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão...".
Espero que esses rabiscos sobre
1984 sejam um retorno permanente, e que eu não me perca e não abafe o interesse
por esse espaço tão libertador e aconchegante. Até.
Ficha
técnica:
1984
Autor: George Orwell
Editora Companhia das Letras
Ano: 2009 - 7ª reimpressão (1ª edição em 1949)