segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Olhai os lírios dos campos

E os rabiscos iniciais são sobre “Olhai os lírios dos campos”, de Érico Veríssimo (Ed. Companhia das Letras),  o primeiro livro de 2012. 
  
Comprei-o em 2011, seguindo a indicação da mãe de uma amiga, que disse que era o livro de sua vida. A sugestão ficou gravada em mim, pois ela tem UM livro favorito, o que, para mim - que tenho uma lista em constante atualização - é impossível.
Lançado em 1938, o livro marca o reconhecimento de Érico Veríssimo no país inteiro e leva-o a afirmar que só depois dele é que pode viver de literatura. E esse sucesso é justificável. O livro é suave, esperançoso e deliciosamente simples. 

Através da história do médico Eugênio Fontes, o autor fala sobre amor, os dramas familiares e individuais em meio a uma sociedade em transformação, provocada pelo desenvolvimento das cidades, a afirmação da classe média e um cenário político repressivo.

O sentimento de inferioridade, a obsessão por ascender socialmente e o temor marcam a trajetória de Eugênio. Ao saber que o grande amor de sua vida (Olívia) está no hospital morrendo, ele relembra tudo que viveu e os sacrifícios que cometeu em nome de sua ambição - o menino pobre e infeliz, que estudou em uma boa escola graças aos esforços incansáveis dos pais; o adolescente solitário, marcado pelo suicídio de um professor; o universitário covarde e encabulado com a humildade da família; o jovem médico fraco que se apaixona por Olívia, ex-colega da faculdade, com quem mantém um relacionamento sem compromisso; e o homem que se casa com uma mulher rica (Eunice) por interesse.

Nessa primeira parte, o livro é intenso, com histórias bem desenvolvidas e envolventes - como o sumiço do irmão, a rejeição ao pai, a descoberta que tem uma filha com Olívia. 
Movido pelo remorso, ele percebe que por esse caminho torto foram ficando os que lhe amaram sem pedir compensações, os que não exigiram nada e lhe deram tudo, principalmente Olívia, uma mulher que desnudou o mundo e o apresentou para Eugênio e ele, cego pelo seu egoísmo, deixou-a partir. E a beleza do livro está nessa avaliação de vida e no romantismo do seu despertar, características comuns nos romances da década de 30.

Essas reflexões sobre os autênticos valores da vida dão título a livro, que é inspirado em um versículo bíblico (“Considerai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem e, no entanto, nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como um deles”).

Na segunda parte, Eugênio decide mudar, deixando de lado a vida elitista para viver com a filha numa pensão, assumindo o papel social de médico e entregando-se às reflexões filosóficas sobre a vida e o existir. Confesso que, nesse ponto, meu interesse reduziu devido às percepções repetitivas do personagem, mas não diminuiu o deleite que o livro proporcionou.

A transformação vivida pelo personagem e os ensinamentos que a vida lhe propiciou podem até soar para alguns ridiculamente sentimental. No entanto, Érico Veríssimo consegue transcrevê-los com singeleza e doçura, deixando para o leitor a sensação de que, por mais complexo que seja a natureza humana, o fazer o bem e o certo é mais recompensador.

Deixo aqui o trecho mais emocionante do livro:


“Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento. Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil… Um homem magro e encurvado, malvestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha ele subindo a rua. Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal-estar. Desejou – com que ardor, com que desespero! – que o velho atravessasse a rua, mudasse de rumo. Seria embaraçoso, constrangedor se Ângelo o visse, parasse e lhe dirigisse a palavra. Alcibíades e Castanho ficariam sabendo que ele era filho dum pobre alfaiate que saía pela rua a entregar pessoalmente as roupas dos fregueses… Haviam de desprezá-lo mais por isso. Eugênio já antecipava o amargor da nova humilhação. Olhou para os lados, pensando numa fuga. Olhou para os lados, pensando numa fuga. Inventaria um pretexto, pediria desculpas, embarafustaria pela primeira porta de loja que encontrasse. Ouvia a voz baixa de Castanho… o “conceito hegeliano…”. Podia entrar naquela casa de brinquedos e ficar ali escondido, esperando que Ângelo passasse… Hesitou ainda um instante e quando quis tomar uma resolução, era tarde demais. Ângelo já os defrontava. Viu o filho, olhou dele para os outros e o seu rosto se abriu num sorriso largo de surpreendida felicidade. Afastou-se servil para a beira da calçada, tirou o chapéu.
– Boa tarde, Genoca! – exclamou. O orgulho iluminava-lhe o rosto.
Muito vermelho e perturbado Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado pelo gesto do homem.”

Bem... Até mais. 


Ficha Técnica
Olhai os lírios dos campos
Autor: Érico Veríssimo
Editora Companhia das Letras
Ano: 2005 – 4ª edição (1ª edição em 1938)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Orelha

Livros são minha base, extensão do meu ser. Toda a minha vida esta interligada a um livro – quando li, onde e por que comprei, as palavras que conheci e as que acrescentei ao meu vocabulário, quem me deu, o que ele representou para mim e o que consegui extrair e transportar…

Livros são meus companheiros de estrada, de ônibus, de viagens, de vida. Companheiros diários, que, muitas vezes, me preenchem quando ninguém mais o consegue.

O ler vai muito além de pegar um livro, sentar e ler. Para mim, é arte. Começa no ato da compra. O olhar, sentir a textura da capa e das folhas, ler a orelha e uma página aleatória, ir para a fila, pedir um marcador e voltar para casa transbordando de felicidade. Depois, sentar em um lugar fresco, sem barulho, com o lápis em mãos e, entorpecida pelo o cheiro das páginas impressas, seguir… Até onde a fome, a vontade de ir ao banheiro ou o telefone deixarem. Às vezes, devoro-o. Outras, demoro meses e intercalo com outros livros. E não gosto de começar e deixar pela metade, mesmo que o livro seja entediante. Poucos foram os que não terminei.

Livros me despertaram paixões e manias, como a de colecionar palavras - novas, belas, interessantes, sinônimos, poucos usuais ou de sonoridade agradável. Ao deparar-me com uma, sublinho-a e anoto. Vez ou outra, volto às minhas anotações para visitá-las. A nova mania é colecionar lápis e, a partir de agora, escrever sobre livros.

Estava listando todos os livros que li desde 2005 e minha irmã sugeriu que eu criasse um espaço para comentá-los. E cá estou eu, tentando, despretensiosamente, juntar três coisas que amo: livros, escrever e palavras – sem formatação definida e sem saber o que me aguarda. Só sei que quero ler todos os livros da minha interminável lista. Ler até meus últimos dias de vida.